Í N C U B O S  e  S Ú C U B O S [i]

 

Íncubos e Súcubos (incubare e sucubare)

 Demônios masculinos e femininos que vêm

copular com mulheres e homens durante o sono.

 

Longe do equilíbrio se produzem fenômenos coerentes, o não equilíbrio é a via mais extraordinária que a natureza encontrou para tornar fenômenos complexos possíveis. A vida humana, reações químicas, relações sociológicas, econômicas,... só são possíveis porque estão longe do equilíbrio. As inúmeras interações, as bifurcações da evolução, a não linearidade dão a complexidade necessária à existência destes sistemas instáveis. “Campos de possibilidades”, diria Umberto Eco

 

Trata-se da teoria de Ilya Prigogine [·1]  , explanada em conferência pronunciada em 1993 no Museu da Civilização, Quebec. Teoria que confronta à posição de Stephen HawKing. [ii] Ainda segundo Ilya Prigogine, a mistura de eventos e de regularidades é característica do universo. Existem regras, mas estas não são suficientes. São necessários eventos inesperados. E aqui, sempre construindo uma defesa da flecha do tempo, Prigogine toma a liberdade de citar a obra de arte para fundamentar seu pensamento sobre o universo.

 

Sabemos hoje que as redes de comunicação são um espaço virtual que multiplica as possibilidades de “vida”. Um lugar de comunicações, criações e interações: textos, imagens, imagens em movimento, hipertexto, e sobretudo interatividade.

 

A consciência é, apenas, presente.

 

O rádio e a televisão fizeram muitos pensarem os meios de comunicação, no entanto estes meios são apenas meios de difusão, meios de comunicação unidirecional, meios de informação com significante reduzido pelo próprio in-forma estabelecido pelo difusor. As redes de comunicação estão longe do equilíbrio, são complexas, logo são um espaço que torna o ser, o fazer, o pensar, e a flecha do tempo possíveis.

 

Participar das redes de comunicação implica em participar deste espaço-universo nascido do longe do equilíbrio. Tomar consciência destas reflexões é imprescindível, no entanto só a consciência não basta para tornar possível. Faz-se necessário fundamentar esta consciência na prática quotidiana para que possam surgir linguagens artísticas do século XXI.

 

Neste sentido o trabalho em grupo, não só nas redes, mas no quotidiano, corpo a corpo, é imprescindível. Trabalhos desenvolvidos em grupo, apenas via rede, criam vácuos no universo das comunicações. Em um trabalho em grupo o que se passa é o encontro com o outro, com os outros.

 

“Nul ne peut imaginer la part de responsabilité que nous avons tous deux dans chaque phrase de cet ouvrage. Nous avons dicté de grands passages en commun: l’élément vital de cette Dialectique est la tension de deux tempéraments intellectuels.” [iii]

 

O monólogo também é comunicação, comunicação consigo mesmo. O pensador é emissor e receptor. Muitas vezes o monólogo tende “à tourner en rond”, mesmo se o sujeito está em contínua  transformação. A confrontação com o outro é o que nos põe em questão. A confrontação com outros: universo.

 

            Em um trabalho efetuado em grupo, o artista é espectador do outro, do outro membro do grupo, da criação, e do público.

 

            Trezentas, quatrocentas vezes por dia encontramos o outro. O vazio, o desprezo. Ignorância ou tolerância. Nenhum olhar, neblina. Minha individualidade só e orgulhosa. Nenhuma troca, nenhum desafio. Onde estão os outros?

 

            Muitos autores referem-se ao outro, ou ao encontro do outro. Nenhuma discordância foi assinalada no que se refere à intensidade deste encontro com o outro, um outro ser humano, por oposição ao encontro com coisas. Mikel Dufrenne fala de convite à uma resposta, convite à uma compreensão. Espera. Respeito pelo outro que nos ensina nossa própria interioridade. Jean-Paul Sartre nos fala do outro que nos torna objeto. Feitiçaria. “O inferno são os outros” Christian Delacampagne vê no outro a ignorância, a impenetrabilidade.

 

Qual destas frases você já disse?

a)      Não é rentável

b)      Meu tempo está sobrecarregado

c)       É uma questão que nos vem toda hora

d)     A família é sagrada

 

Cada autor tem um diferente sentimento do encontro com o outro. Esta diferença nos parece insuperável na medida em que cada pessoa é uma individualidade, individualidade em contínua transformação. Cada indivíduo, uma sensibilidade, nos proporcionará inúmeras degustações inéditas. Cada olhar é único e pode provocar uma infinidade de (descer o dicionário).

 

Nas redes de comunicação não há olhar, mas textos e imagens. O outro do texto e o outro da imagem (Barthes).

 

No entanto, a experiência do outro é mascarada pela experiência do social. Tudo no outro é signo para interpretações estereotipadas: do cabelo ao sapato, do carro ao..., a linguagem, o sotaque, os gestos...

 

Nas redes o outro é incorpóreo e conseqüentemente desvinculado destes signos repletos de interpretações preconcebidas.

 

O olhar nos olhos é um primeiro contato. O segundo seria o tato que permitiria ir além do social: encontro com o real. O cheiro é em geral melado pela marca de um perfume. O ouvido é em um primeiro momento apenas discurso. O encontro com o outro, olhar no outro são relações mágicas como supôs Sartre.  Mágicas porque imprevistas, indefiníveis.

 

Em um trabalho em grupo a confrontação e o improviso escapam a todo controle preliminar. O outro é interioridade, sempre, de novo, desconhecida e aberta.

 

A intensidade do vivido, em um trabalho em grupo, para o espectador e para os artistas, é diretamente proporcional à profundidade da troca estabelecida. (leia-se troca em diversos níveis e não só à nível econômico, leia-se transferência, permuta, alteração, modificação, abandono). Funda-se um ecossistema com elementos em ritmos descompassados, mistura de eventos: longe do equilíbrio.

 

O Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos tem como uma de suas linhas de pesquisa a reflexão sobre a presença das novas tecnologias no mundo atual e as modificações que estas implicam na ecologia simbólica do indivíduo.[iv] É no seio de um trabalho em grupo, ou melhor, nos diversos seios de um grupo, de um trabalho translinguístico e pluri-assinado que a arte é possível.[v]

 

Enquanto grupo, o Corpos Informáticos tem como centro Brasília, atualmente com membros estendidos de Campinas (SP) à Philadelphia (USA), e pesquisa desejando o longe do equilíbrio, inúmeras interações, bifurcações da evolução, não-linearidade. Fotografias, instalações, performances, vídeo-performances, trabalhos nas redes de comunicação, vídeos-arte, em ações pronóicas (em oposição às paranóicas), em co-autorias promíscuas evolui a pesquisa.

 

 



[i] Texto para o convite da exposição realizada na Galeria da Caixa, CEF, Brasília, 1997.

[ii] PRIGOGINE, Ilya. Temps à devenir. À propôs de l’hstoire du temps. Québec: Fides, 1994

[iii] ADORNO e HORKHEIMER, La dialectique de la raison, trad. Kaufholz, Gallimard, Paris, 1974, 283 pp., p.9.

[iv] Edmond Couchot refere-se à “economia simbólica do indivíduo”, acreditamos que o simbólico é mais complexo e dinâmico do que um sistema econômico, por isso preferimos a expressão “ecologia simbólica.”

[v] O IN-SITU da arte (dos críticos aos curadores, das instituições aos próprios artistas) não é ainda capaz de perceber esta nova concepção do artista, e conseqüentemente da arte, do objeto da arte, e da parte do público.


 [·1]pesquisador, professor, escritor, físico-químico

 [·2]