"Gutai Bitjutsu Kyokai"

Bia Medeiros

Paris, 22 de junho de 1999

Até 27 de junho ocorre em Paris, no Museu "Jeu de Paume" a exposição do internacionalmente conhecido Grupo Gutai, na realidade Gutai Bitjutsu Kyokai, isto é, Associação da Arte Concreta, no entanto, entenda-se, aqui, "concreto" como "materialização". Este Grupo, formado por Yoshihara Jiro, em 1954 à Ashiya, cidade perto de Osaka, realizou as primeiras manifestações de Arte Corporal (Performances), Arte Conceitual, pesquisas minimalistas,… conhecidas. A exposição traz mais de uma centena de obras e documentos (fotografias, filmes, vídeos).

Imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial, diversos artistas, em diferentes lugares do mundo, se poem à romper regras e tabus, criando novos processos de criação artística, notadamente "action painting" por Jackson Pollock (a quem a Tate Gallery, Londres, dedicou grande exposição entre 11 de março e 6 de junho, este ano), performances e músicas de John Cage, Grupo Fluxus e Grupo Gutai.

Yoshihara deu ao movimento Gutai uma dimensão internacional, desde sua fundação, principalmente pela publicação de uma revista bilïngue à partir de 1955. Seus trabalhos artísticos tiveram como resultado plástico pinturas, esculturas, instalações, espetáculos; sendo produzidos pelos processos mais variados, desde dança com os pés (gerando telas), até pinturas feitas por robôs telecomandados, passando por roupas de lâmpadas elétricas (gerando espetáculos), dança sobre lama e cimento (gerando quadros monocromáticos com grande profundidade), entre outros. Muito nos impressionou uma série de trabalhos feita com palitos de fósforo e cimento, resultando em uma matéria extremamente orgânica que lembrava aranhas, emaranhado de minhocas, enfim, repulsa.

Em 19 de junho ocorreu, paralelamente à exposição no "Jeu de Paume", um colóquio sobre o Grupo, contando com a presença de Florence de Méridieu (crítica de arte), Ben Vautier (denominado, hoje, apenas, Ben, artista performático muito conhecido por suas inscrições curtas, sobre a arte, ou sobre a vida, como por exemplo: "Isto é arte", ou ainda "Eu sou a arte", entre tantas outras, difundidas sobre todo tipo de suporte, principalmente camisetas), Jean-Jacques Lebel (artista performático), o diretor da Escola de Belas-Artes de Paris, Imaï Norio (membro do Grupo, 3° geração), Ming Tiempo, entre outros.

Ming Tiempo realizou uma leitura japonêsa da obra revelando a influência da tradição, do folclore no conjunto do trabalho Gutai; influência de rituais Mitsouri ("conceito estruturante de Gutai", segundo Tiempo), da espiritualidade Shinto (invocação de deuses que nos fêz pensar em rituais de Umbanda), rituais com bonecos imensos (e pensamos no carnaval de Olinda, no "Homem da meia-noite"), rituais e eventos com pipas, Tangaris (rituais sangrentos), mas também caligrafia japonêsa, lanternas, entre outros.

Neste colóquio Ben inteveio como um artista da performance, falando alto, gesticulando muito, realizando rabiscos incompreensíveis em um quadro negro, passando a falar inglês, voltando ao francês e contando anedotas incríveis.

_"Aí, eu disse ao marchand: vai lá e compra tudo, que está baratíssimo, depois você me dá dois, e depois você vai ficar rico". Êle foi, comprou e eu tenho dois Gutai em casa". O que mais quiz dizer Ben com este anedota?

O crítico de arte Michel Tapiés, conheceu Gutai em 1957, no Japão,e apresentou-o à Ben em 1963. Este último afirmou ter descoberto Gutai se exprimindo assim: "estes caras estão na nossa frente!". Mais tarde, juntamente com Arman e Yves Klein (enciumado, segundo Ben) discutiu o trabalho do Grupo.

A começar na fala de Ben e, na continuação do colóquio, notadamente com Jean-Jacques Lebel, o que deveria ser uma homenagem à um trabalho internacionalmente reconhecido como Vanguarda, na época, e atualmente, passa a ser denúncia da não valorização do Grupo no Japão (denúncia feita pelos europeus!). Em realidade houve pouca valorização de Gutai no Japão (provincianismo do Grupo? falta de interesse do govêrno? Que sabemos sobre o mercado de arte no Japão na época?). Aos japonêses, no colóquio, não foi dado o direito de resposta, tal a confusão formada. Sabemos, sim, do interesse de Gutai por projetar-se internacionalmente: sua publicação bilïngue, exposição na Martha Jackson Gallery, New York, em 1957, vários artistas do Grupo foram se instalar em New York,… e deu-se o reconhecimento. Tanto que eram conhecidos aqui, em Paris, invejados, geravam polêmicas e concorrência.

Lebel, afirmou que a história da arte não era linear, que hoje podíamos contar com o conceito de "rizoma" (Deleuze e Guattari), que a história de arte evoluia em processo rizomático de influências mútuas… Lebel começou a trabalhar com performance em 1965! Como negar Turner, anterior aos impressionistas? Manet havia vivido em Londres. Há, sim em Paris, diferentemente de Londres, uma atmosfera econômica e social que permitiu o "boum" dos impressionistas. Como negar Dadá, antes da Semana de 22? Oswald de Andrade veio à Paris no início dos anos 20. "Canabalismo" e "antropofagia" eram têrmos usados pelos dadaístas. Quanta sabedoria em Oswald, Mário, Tarcila, e os outros! Quanto Brasil! Certo o desenrolar da(s) história(s) não é linear, pode ser rizomático, ou mais complexo. Para que atacar o pouco interesse dos japonêses (certamente não todos) por Gutai, na época? Quanta resistência dos francêses em admitir a anterioridade, e a excelência, de Gutai (apesar da homenagem)!

O Grupo Gutai é assim apresentado por Yoshihara, em texto do primeiro número da revista, em 1955. "Nós desejamos trazer de maneira concreta a prova que nossos espíritos são livres. (…) Nós queremos estabelecer ligações com o conjunto daqueles que criam nas artes visuais, que se trate de caligrafia, de ikebana, de artesanato ou de arquitetura. (…) Isto nos encoraja à multiplicar as colaborações, à nos aproximar de todas as outras formas de arte contemporânea: os desenhos de crianças, a literatura, a música, a dança, o cinema ou o teatro". Nós, ocidentais, ainda temos que aprender muito sobre a cultura japonêsa (sua compreensão de mundo, sua filosofia, sua arte), isto é, nós, ocidentais, ainda temos que aprender muito.