Arte
interativa: breve análise de alguns CD-Roms-arte.
O
sublime: um afecto sem emoção, um sentimento insensível, uma paixão sem PATHOS,
escapa às formas puras do espaço e do tempo… não domínio da AESTHESIS mas
ANESTESIA (…) que deixa a alma oferecida à uma afecção mais 'antiga' que os
dados da "natureza". [i]
Muitos
dos CD-Roms-arte interativos se aproximam de jogos. Ainda que haja uma
preocupação estética nestes, os trabalhos são jogos, jogos interativos como os
vídeo-games comerciais. Estes são, certamente, mais ou menos envolventes;
apresentam soluções mais ou menos inovadoras em termos de desenho (solução dos
personagens, mapeamento das superfícies,…), no entanto não há inovação maior
quanto ao sistema de navegação e, sobretudo, quanto ao conteúdo. E' o caso de
"The Insider" de Jean-Nöel Portugal, ainda que este afirme que seu
personagem é capaz de atitudes psicológicas tais como se suicidar caso cometa
um assassinato não recomendado, "Mankind" de Franck De Luca, Yannis
Mercier e Alexandre Ledent, "Isabelle" de Thomas Cheysson, todos
apresentados no "Etats généraux de l'écriture interactive", Paris,
novembro 1999.
Estes
jogos interativos reivindicam que o público, jogando, torna-se criador da obra.
Ora, todos os passos destes CD-Roms foram estudados por seus conceptores e não
há verdadeira criação da parte do público. Por outro lado dizer que um mídia é
interativo por este levar o público a utilizar-se de um mouse é por
demais pequeno, visto que a interatividade, desde sempre, exigida pela arte, é
de um nível bem mais profundo. Dar prazer ou desprazer, deslocar o público de
uma realidade, faze-lo ressentir, pensar ou ficar perdido em seu pensar, enfim
a interatividade solicitada pela arte, seja ela apenas de ordem intelectual,
seja ela intelecto-sentimental, é muito mais envolvente e interativa do que um
simples manejo de um mouse. O sublime é interativo, ou ainda, o sublime
deixa o espectador sem ação diante da obra: entrega, envolvimento, o espectador
torna-se cativo da obra.
Outros
CD-Roms, como diversos trabalhos vistos na Bienal de Veneza, 1999, ou em outras
mostras de arte contemporânea, são literalmente engraçados, isto é, nos fazem
rir, sendo por vezes apenas "palhaços" (Michel Jaffrenou: "Le
Dragon aux dix mille icônes"), por vezes irônicos, e/ou críticos. Rir faz
bem para a saúde, dizem os médicos. A ironia é prova de inteligência. A crítica
é sempre edificadora. Estas duas últimas representam maior interesse, no
entanto, a questão da arte permanece.
Diversos
multimídias são intrigantes e nos suscitam o desejo de descobrir como se dá o
funcionamento da obra, como foi possível tal efeito, onde estão os dispositivos
interativos (instalações). Estes geram uma necessidade de conhecer, de conhecer
o funcionamento técnico da obra, geram
espanto pela novidade técnica. O espanto diante da habilidade técnica é um
inibidor da capacidade crítica do espectador.
A
meu ver, a questão é saber onde está a arte. Onde estas obras, quando, elas
geram em mim, e em muitos o sentimento do sublime, o espanto-espasmo que me
deixa sem conceito, logo que é sentimento de prazer universal? Estes novos
mídias são capazes de gerar prazer estético? Sim, certamente. A mim muito
emociona, fala, questiona, envolve, o CD-Rom "La Morsure", trabalho
de Andrea Davidson desenvolvido no Laboratório Estético da interatividade, sob
a direção de Jean-Louis Boissier. Navega-se por entre fragmentos de vídeo
("boucles") onde atores se encontram, desencontram, e matam-se, em
cenários extremamente estudados ao nível da cor (grande contraste). Estes
fragmentos de vídeo são dispostos na tela e "atuam" em uma velocidade
que depende daquela que o espectador mexe o mouse, sendo que o cursor
quase nunca aprece na tela. Não há quase necessidade de clicar o mouse,
apenas para passar de um nível (tipo de apresentação: linear, em cruz,
dispersa) para outro. As imagens são extremamente belas e suas apresentações
simultâneas geram quase uma sensação de tridimensionalidade. O trabalho
"Elle", de Catherine Ikam e Louis-François Fléri, também apresenta
certo interesse. Uma grande projeção apresenta um rosto gerado numericamente
que olha o espectador quando este entra e circula na sala, por vezes o rosto
ri, por vezes fecha os olhos. Aesthesis: aquilo que fala aos sentidos
sendo conteúdo social sedimentado (Adorno).
Dois
trabalhos geraram também interesse: o CD-Rom, em construção, sobre música
eletrônica, trabalho didático com possibilidade de criação de música,
apresentado por Pierre Lavoie et Olivier Koechlin (“Hyptic”); e o CD-Rom de
André Katori, para criação de música eletrônica. Este último ágil e divertido.
[i] STEINMETZ, Rudy. “Jean-François Lyotard. Le silence en peinture”, in LENAIN, Thierry (org.). L'image. Deleuze, Foucault, Lyotard, p. 13 à 39.