Instalação performática Balanço na rodoviária de Brasília


Brasília, 1o de abril de 1996



Alice Stefânia Curi

Maria Beatriz de Medeiros


A instalação performática Balanço, na rodoviária de Brasília, foi uma experiência que desejávamos realizar desde 1995 quando tentamos um primeiro contato com os responsáveis pelo local, o que infelizmente não frutificou. No início do ano de 1996, coube a Alice Stefânia Curi a segunda tentativa de encaminhar este projeto: fazer a instalação de um ‘balanço’ no teto da rodoviária. O contato com o administrador da rodoviária foi bastante encorajador e pudemos, com o auxílio do engenheiro-chefe do espaço, pôr em prática nossa proposta. Contamos, ainda, com o apoio da polícia militar.


A ocupação consistiu em um balanço pendurado no teto da rodoviária (pé direito de 9 metros), onde estavam fixados um televisor e um aparelho de videocassete, postos em movimento por um performer que se balançava, mais ou menos alto, ou gravava e emitia as imagens do público, entre outras ações. Iniciamos a montagem da instalação às cinco horas da manhã e às seis já havíamos começado a ação. Cada pesquisador realizou uma performance. O ‘balanço’, em si, era a proposta maior, mas também havia o propósito de deixar os bolsistas-pesquisadores desenvolverem suas individualidades. Trabalhamos em rodízio: um balançava, outro gravava em vídeo, um terceiro fotografava e um quarto se encarregava da segurança dos equipamentos. Na realidade, havia entre 6 e 10 pesquisadores presentes.


A reação dos transeuntes frente às performances foi irregular. Alguns percebiam a instalação com estranhamento e não paravam para olhar, outros, apesar da estranheza, se posicionavam em volta e tentavam entender. Uns ficavam bastante irritados por não conseguirem compreender totalmente a proposta, apesar de falarmos que a introjeção da ação era de caráter individual. Outros conseguiam relaxar diante da performance e se deixar levar pela ambientação, pelas imagens. Alguns arriscavam explicações. Houve um transeunte que, depois de conversar com o Grupo, subiu em uma cadeira de engraxate e ‘explicou’ a todos a ação. Falou sobre computadores que estariam enviando imagens para a tela e que se tratava de uma proposta artística.


Eis um excelente apaziguador: o fato de ser arte parece ‘desculpar’ qualquer ação, por menos sentido que ela faça frente aos olhos dos espectadores. É como se a arte fosse o lado marginal da sociedade, ao qual tudo se permite, tudo se desculpa.


Vários comentários ouvidos, antes do anúncio do evento como arte, ratificam essa interpretação: “Será que são malucos?”; “Isso é coisa de gente doida”; “Ah! é coisa de artista”.


Na verdade, se não catalogássemos a experiência como arte, talvez não fosse sequer permitido realizá-la. A administração e a polícia não teriam apoiado, e é possível que o público tivesse uma reação mais repressora e moralista. Mas na arte se fazem ‘loucuras’. Nesse sentido, para que a proposta fosse ainda mais revolucionária, transgressora, não deveria nem ter sido anunciada como arte, já que se desejava uma verdadeira proposta de vivência artística ex situ, ou seja, fora dos espaços convencionalmente reservados à arte.


Nosso desejo de realizar essa ação nesse espaço se vincula ao nosso objetivo de educação estética da comunidade, ou seja, de levar fragmentos da arte contemporânea, nosso objeto de pesquisa, a lugares e pessoas que não têm o hábito de ver-vivenciar a arte, talvez por falta de oportunidade, talvez porque não se sinta convidado aos espaços in situ. Tínhamos, ainda, por objetivo levar aos espectadores uma nova possibilidade de uso desta mídia (televisão e vídeo caseiro) que lhes é, ao mesmo tempo, tão familiar e tão pouco explorada: tirá-los de sua confortável posição de telespectador passivo, sobre o sofá de sua casa recebendo informações previamente selecionadas, organizadas, segundo a ideologia da mídia, para que eles simplesmente as absorvem sem questioná-las, e levá-los, por outro lado, a tentar desvendar essas novas e complexas informações, proporcionadas pelo fazer artístico, por si próprios, de acordo exclusivamente com suas idéias e vivências.


Ficou notória, por parte do público, a busca incessante de motivos, de causas, de uma utilidade pragmática para a proposta, assim como a dificuldade de entrega de várias daquelas pessoas ao puro prazer estético, contemplativo e, ainda, a falta de desejo do exercício de uma compreensão, de um sentido pessoal, subjetivo, sobre as possíveis e férteis combinações entre os vários significantes e significados oferecidos pelo evento.


Não realizamos nenhuma divulgação prévia da ocupação para que não perdêssemos o elemento surpresa, também porque a proposta era ir ao público, aquele público, e não trazer até nós um público específico, o ‘habitué’. Houve mídia impressa, que publicou uma matéria no dia seguinte à ação; houve a Rádio Cultura que nos entrevistou no decorrer da ação e a TV Brasília que fez uma matéria, sobre o trabalho, transmitida na mesma noite.


Essa experiência está documentada em vídeo e foto e gerou dois vídeos do pesquisador Milton Marques e diversos outros projetos de produtos artísticos.


Imagem em movimento em movimento


Diana Domingues, artista e pesquisadora em arte e tecnologia, após assistir ao espetáculo Indioformáticos (Espaço 508 Sul, sala Multiusos, 1994), onde havia cinco balanços com televisores, sendo três deles capazes de conter um performer sobre ou sob os televisores, assim se expressou: “Vocês colocaram a imagem em movimento em movimento”. De fato, e assim fazendo, questionamos a passividade de todo espectador frente a este aparelho que necessita submissão corporal.

O rádio pode ser ouvido enquanto se arruma uma casa, dirige um carro... e há quem consiga estudar, ler e escrever com música. A televisão exige que o corpo se prostre diante da imagem-movimento. Colocando a televisão em movimento, era esse sistema que estava sendo destruído. Instalar esse ‘balanço’ na rodoviária de Brasília levou o trabalho a um público que pouco tem acesso a esse tipo de questionamento.


Um outro aspecto discutido por esse ‘balanço’ diz respeito à univocidade da ‘comunicação’ televisiva. A televisão fala sozinha. Cada um, fechado e protegido em sua casa, ouve e cala. Se exprimir através do balançar, vestido de diferentes formas, nos permitia tomar a palavra. Saliento algumas das atuações: Cleomar Rocha vestido humildemente e sem sapatos, com uma vara de pescar, ‘pescava’ sobre o balanço (ao que um espectador gritou: “Ele não vê que não vai pescar nada”, e completou: “A linha não tem anzol”); Maria Luiza Fragoso vestiu-se de japonesa nos mínimos detalhes; Vanessa Gelli Rocha balançou-se vestida de noiva; Carla Rocha sentou-se sobre o balanço e, com a câmera, limitou-se a gravar os rostos dos transeuntes, com a câmera cabeada diretamente ao televisor: o público podia se ver na televisão, se tornar “astro”.