Videoinstalação e Performance. Funarte-Brasília 1995

Alice Stefânia Curi

Maria Beatriz de Medeiros

 

A proposta performática no vernissage da exposição Corpos Informáticos, na galeria FUNARTE, localizada no térreo do Ministério da Cultura, em Brasília, foi realizar a montagem da exposição na presença do público. Toda a ação foi previamente discutida e ensaiada. O público chegou em um espaço absolutamente vazio, nu, e acompanhou sua transformação. Os membros do grupo, na hora marcada para o início do vernissage, pararam seus carros na frente da galeria e, aos poucos, trouxeram televisores, videocassetes, ilha de edição, fotos, fitas de vídeo, cabos, câmera... Com escadas, estiletes, luvas cirúrgicas e praticáveis realizaram a metamorfose do espaço. Do vazio a uma instalação de quinze televisores, dez videocassetes, vídeos sendo passados nos televisores, assim como vinte e cinco fotos (50/60 cm), em aproximadamente 30 minutos.

Durante o coquetel, a equipe gravou em vídeo o evento e as imagens foram editadas, manipuladas ao vivo e assistidas pelo público. Quem chegava, passava ou ia comer alguma coisa (a mesa de frios estava fora da sala) se deparava com imagens quase familiares, as pessoas presentes, distorcidas: as imagens foram transmitidas por um televisor dentro do ambiente e um outro, de 29 polegadas, localizado junto à vitrine da galeria (parede de vidro) que separa a sala da rua, com a tela voltada para fora. Após testemunharem a transformação do ambiente, as pessoas presenciaram a própria metamorfose. O agente das mutações: o corpo pensante, atuante e a tecnologia operante. O paciente: o corpo-imagem, objeto e a tecnologia manipulada.

No final da noite, a performance consistiu na desmontagem da instalação: retiramos quase tudo da sala, aos olhos dos espectadores, deixando apenas as fotos nas paredes, um televisor e um videocassete que passou a mostrar o que havia sido filmado e editado durante a noite. E foi essa a exposição que ficou até o encerramento: um extrato do que foi a instalação performática do vernissage.

Interessante notar que o público não ousou penetrar o espaço enquanto ele sofria transformações. Assistiu do lado de fora da sala, através da vitrine, e só entrou quando estava montada a instalação. Isso mostra que as pessoas ainda se posicionam de forma passiva frente às manifestações artísticas. Distantes do ato de execução da obra, não se permitem invadi-la nem quando são convidados a fazê-lo. Para a maioria, ainda é muito confortável manter a arte em uma ‘redoma’. A arte contemporânea precisa de um público contemporâneo para que possa de fato acontecer de forma interativa. Só é possível compreender o que podemos compartilhar.

Só quando começaram a se ver em alguns monitores da instalação é que finalmente o público passou a ser também instalação   o que procurávamos desde o início. Com seus rostos transformados, seus corpos mexidos, tocados pela tecnologia, os espectadores, mesmo sem querer, entraram em comunhão com o espaço artístico. As reações, frente à própria imagem maculada, foram bem distintas das observadas na instalação Balanço, realizada na rodoviária de Brasília, que analisaremos a seguir.

O ‘respeito’ pela obra de arte, característico dos freqüentadores de exposições e galerias, se por um lado deixou-os aguardando a conclusão da instalação para penetrá-la, por outro trouxe menos desconforto ou euforia diante da visão da própria imagem. Não houve fugas nem muitos pedidos de explicação. Se aqui o público não penetrou o espaço em nome de um certo ‘respeito’ à arte, na rodoviária (1o de abril) essa não-invasão deu-se em função de um estranhamento, até desconfiança em relação à natureza e à finalidade do que estavam presenciando.