CORPOS INFORMÁTICOS

O trabalho a ser apresentado toma como fio condutor a idéia da não linearidade de fatos, da impossibilidade do conceito de evolução, seja do conhecimento científico, seja do pensamento filosófico, seja da arte. Deste ponto de vista, seria impossível pensar em pós-modernidade, e/ou em pós-biológico. Não havendo linearidade, todo "pós" seria impossível. Apenas o bêbado tenta andar em linha reta, os seres humanos caminham por mal traçadas linhas, cheias de desvios. A liberdade permite, exige, interstícios, dispersões. Propomos a idéia de uma evolução por dobramentos, e propomos uma Era dos dobramentos, para designar o momento que vivemos, momento de tomada de consciência da impossibilidade do conceito de evolução tal como o vínhamos compreendendo: progresso, avanço linear ininterrupto. A estética do espaço virtual (que será) apresentado traz consigo estes conceitos.

Entendemos a continuidade do tempo como "volução" (nem evolução, nem involução, mas volução, onde mantêm-se a raíz da palavra "voluta" - 1545; it. Voluta, palavra latina de volutus, p.p. de volvere, "rolar") 1. Continuidade do tempo, "volvimento" do conhecimento científico, filosófico e artístico. Este processo dá-se por dobramentos de "camadas" (áreas, ou fragmentos de áreas, antes estanques do conhecimento humano). Estas camadas se organizam, se desorganizam, e desorganizam, em movimento similar ao estratigráfico, porém sem centro definido. Estas camadas são permeáveis permitindo a geração de encontros entre as antes estanques áreas de conhecimento, assim o científico permeia o filosófico, o artístico interfere no científico, mas também a matemática se mescla da ecologia, e a sociologia se contamina das secreções da lingüistica, da música ou da computação.

Tomamos emprestados certos conceitos de Gilles Deleuze, expandindo suas bordas, seus limites.

"Cada um se dobrando, mas também dobrando outros ou se deixando dobrar, engendrando retroações, conexões, proliferações, na fractalização desta infinidade infinitamente redobrada" 2.

O site foi construído a partir de dobramentos, cujo termo faz, ainda alusão à forma de navegação nas redes de comunicação. O conteúdo do site são imagens (fotografias de performances, instalações, vídeos-arte, imagens numéricas, tele-performances,…) e textos produzidos pelo grupo de pesquisa CORPOS INFORMÁTICOS, formado na Universidade de Brasília em 1991.

O grupo é hoje formado por Alice Stefânia Curi, Maria Luiza Fragoso, Carla Rocha e por mim mesma, coordenadora.

Outro fio condutor deste trabalho é a certeza que o espaço virtual põe em cheque ainda o conceito de dimensão por ser este "di" carregado de um sentido de dualidade. O tridimensional permanece dimensional. Nossa proposta prevê o conceito de dimensão fractal, uma "menção" incomensurável, ou a idéia de uma web-menção. Nesta haverão apenas conceitos flutuantes, conceitos abertos que flutuam no universo de nossas percepções-entendimentos. Dentre estes o conceitos de "nós", sendo que a individualidade primeiramente deverá passar a ser entendida como um nós, um nós de Platão, mas também de Hannah Arendt.

O indivíduo, o ser, tanto pensado pela filosofia ocidental, cada vez mais se torna consciente de dois aspectos aparentemente contraditórios, que porém representam um mesmo movimento, uma mesma volução ou volução de dois movimentos simultâneos. Por um lado ele torna-se consciente que ele é um, um corpo-espírito, um físico-mente onde os dois-um têm igual peso, medida, mensão. Isto é vivemos um momento que tende a não mais supervalorizar o intelecto, a razão. Por outro lado, este um não é uno mas resultado (volução) a partir de um diálogo webmensional logo de um multí-logo (não diá-logo, multí-logo), de si com o outro e de si consigo mesmo. Diálogo webmensional, Multí-logo que funda o pensamento deste indivíduo, que funda sua compeensão do mundo. Mes este pensamento (pensamento físico-mental) se dá por diálogo, por diálogo consigo mesmo. Logo, este um é sempre já múltiplo em si mesmo.

Nós, como grupo - CORPOS INFORMATICOS- formado por diversos "nós" assinamos não só este trabalho mas inúmeras atividades artísticas que vimos desenvolvendo desde 1991: sem escrúpulos nos emaranhamos de (em) nós mesmos. Nenhum trabalho artístico realizado em novas tecnologias é feito por um um. Nosso grupo se quer nós.

A liberdade ama os interstícios, as dispersões, mas também o infinito, característica que impregna nosso trabalho: www.corpos.org - site que dobra sobre si mesmo sendo infinito visto a impossibilidade de repetição da mesma página. Ele permite a possibilidade de animação interativa inédita à cada "visitação". Ele quer ser presentação e não re-presentação, dos conceitos acima esboçados.

Acreditamos que estas idéias deveriam, devem estar sempre em mente (mas também impregnar nossos corpos, nossos textos). Nós pesquisadores em Arte e Tecnologia, nós que, sendo mais ou menos precursores, vamos contribuindo para a compreensão, a utilização destas tecnologias tão novas, mas já tão viciadas por falta de pesquisa.

Aplica-se muitas e muitas e muitas e muitas vezes na WEB conceitos que herdamos da tecnolgia da impressão, dos livros, copia-se a estética do cinema. Este também está impregando dos conceitos de linearidade, de evolução que herdamos da imprensa. Mas o cinema é uma tecnologia que nos faz imediatamente pensar na linearidade, a linearidade física da tecnologia, coisa que absolutamente não existe na webmensão do espaço tempo-virtual que volui.

1- ROBERT, Paul. Petit Robert, ed. Le Robert, Paris, p. 2116, traduzido por nós mesmos.

2- DELEUZE, Gilles. Qu'est-ce que la philosophie?, ed. Minuit, Paris, 1991, p. 42, traduzido por nós-mesmos.

Por Bia Medeiros

 

Web Artist Carla Rocha